O poder e o sentido das comunidades

Há cerca de 30 anos, um jovem médico cardiologista da cidade de Bucaramanga, província de Santander na Colômbia, não sabia como responder aos inúmeros pedidos para tratar uma cardiopatia congénita, que afetava as crianças daquela região. Perante a impotência dum Estado incapaz de suprir os recursos necessários para salvar essas preciosas vidas, Victor Castillo, assim se chama esse médico, não se conformou e iniciou uma campanha na sua região para reunir fundos junto da sociedade civil, que possibilitassem levar todos os anos algumas dezenas dessas crianças aos EUA para serem submetidas a cirurgias corretivas. Perante o sucesso dessa iniciativa, Victor sonhou mais alto e preferiu ter uma cana de pesca em vez do peixe, e o passo seguinte foi passar a utilizar os fundos para trazer cirurgiões americanos a Bucaramanga, onde não só operavam as crianças, como começaram a formar médicos e técnicos colombianos, gerando assim a ambicionada autonomia.

Fruto do sonho, generosidade e capacidade de realização do Dr. Victor Castilho e das comunidades de Bucaramanga, a campanha transformou-se numa fundação sem fins lucrativos, a Fundación Cardio Vascular (FCV). O sonho de Victor estava longe de exaurir-se. Depois de alguns anos a bater às portas de investidores e bancos, o IFC (International Finance Corporation) do Banco Mundial acreditou no projeto e no seu enorme impacto em termos de desenvolvimento social e económico e financiou a construção do primeiro hospital da FCV. Em poucos anos, este hospital tornou-se um dos centros de referência para tratamento de doenças cardiovasculares em toda a América Latina, suportado pela sua elevada qualidade técnica e científica, recebendo pacientes oriundos do Uruguai, Brasil, países da América central e Caribe.

Num país como a Colômbia, uma economia emergente com uma classe média em forte crescimento, mas que não dispõe de recursos públicos para atender às novas necessidades dos seus cidadãos, cabe à comunidade civil suprir essas deficiências organizando-se para gerar as estruturas e os meios necessários. A Fundação continua a não ter fins lucrativos, mas tem de gerar os meios financeiros que permitam não só garantir o seu funcionamento, como também investir para assegurar a sustentabilidade do projeto no longo prazo. As receitas da Fundação provêm dos seus pacientes nacionais e internacionais, dos seguros privados de saúde que, entretanto, se têm generalizado entre a crescente classe média colombiana e, finalmente,  do pagamento pelo Estado de serviços mínimos obrigatórios a pacientes não abrangidos por um sistema de saúde privado.

A Colômbia não deixa de me surpreender pela enorme vitalidade e iniciativa das suas comunidades e capacidade de liderança das suas elites, sejam educadas ou populares. País geograficamente recortado de Norte a Sul por três braços da cordilheira dos Andes, que sempre foram a causa de enorme isolamento e inacessibilidade, forçaram as comunidades locais a não contar com o governo central.  Tudo isto terrivelmente agravado pelos 50 anos de conflito armado com as guerrilhas. Estes foram os ingredientes para as populações de locais remotos darem um valor superior ao sentido de comunidade e tomarem a iniciativa de, juntos, trabalharem em prol da causa comum. No fundo, uma necessidade imperiosa de sobrevivência. Em contraste, revejo uma reportagem do meu Portugal, onde numa vila das Beiras um tornado destelhou faz mais de um ano parte do telhado de um liceu. A comunidade local, indignada com o atraso do Ministério na reparação, o que faz? Chama a TVI e a SIC para que façam uma reportagem desta vergonha… Toda esta realidade traz-me à memória as sábias palavras de Miguel de Cervantes: "Quando se sonha sozinho é apenas um sonho, quando se sonha juntos é o começo da realidade".

in Diário Economico

Ver original


Parcerias

Arquivo