A contratação pública permite ao Estado adquirir os bens e serviços de que necessita para a prossecução das suas actividades. A selecção dos seus fornecedores é feita por concurso, através do qual são fixadas as condições contratuais (designadamente o preço).
No entanto, o preço proposto não é (tipicamente) o único critério de adjudicação, em particular para a prestação de serviços. As entidades adjudicantes podem seleccionar um conjunto de critérios, designadamente a qualidade das propostas ou a competência das equipas fornecedoras do serviço. De acordo com o Código dos Contratos Públicos (largamente influenciado pelas Directivas Comunitárias), esses critérios devem ser previamente definidos, incluindo o peso que terão na avaliação final, em consonância com os princípios de imparcialidade e transparência que regem a contratação pública.
Neste contexto, é frequente depararmo-nos com um paradoxo: apesar de ser perfeitamente possível fixar critérios de adjudicação para além do preço, nem sempre é possível determinar de maneira objectiva a forma como estes devem ser quantificados para efeitos de cálculo da classificação final de cada proponente. Imagine-se o seguinte exemplo (fictício, mas inspirado em casos reais): o factor preço tem um peso de 50% e a qualidade da proposta apresentada (que inclui a competência e habilitações da equipa) um peso de 50% também. Uma vez que todos os critérios de adjudicação devem ser fixados previamente, de forma objectiva, suponhamos que a apresentação de um preço igual ao preço base corresponde a uma pontuação (no factor preço) de 0 pontos e um preço igual ao preço mais baixo que não seja considerado um ?preço anormalmente baixo' (também definido no caderno do concurso) corresponde a uma pontuação de 100 pontos (com uma regra linear para casos intermédios).
De modo análogo, é fixada (previamente) a pontuação a atribuir a uma proposta ?boa' (100 pontos) e a uma proposta ?razoável' (0 pontos), com a respectiva fixação dos subcritérios que contribuem para pontuações intermédias. É neste último domínio que surge o paradoxo: é necessário fixar prévia e objectivamente os critérios ou subcritérios de qualidade das propostas, o que significa que é muito frequente encontrar situações em que a entidade adjudicante tem que definir com enorme precisão o conteúdo que espera encontrar nas propostas, para que assim possa classificá-lo. Deste modo, as propostas são medidas aos palmos, subcritério a subcritério, em vez de serem avaliadas no seu todo.
Respeitando os princípios que regem a contratação pública, seria perfeitamente possível introduzir uma maior flexibilidade e, necessariamente, um maior grau de subjectividade na avaliação das propostas. De facto, esta avaliação é objectivamente subjectiva: um júri poderia, subjectivamente, avaliar as várias propostas a concurso e, em função de alguns critérios genéricos (previamente definidos), atribuir-lhes uma classificação quanto à sua qualidade.
É certo que, desta forma, pode ser introduzida alguma distorção na avaliação de propostas (que pode ser minimizada através de mecanismos de vinculação do júri ao contrato: por exemplo, membros do júri ficam co-responsabilizados com a execução do contrato); mas, por outro lado, poupam-se recursos públicos em fases prévias ao anúncio do concurso e gera-se maior concorrência e inovação entres os potenciais concorrentes, sobretudo no conteúdo das propostas.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.