Saudades

Com o avançar da idade sou, cada vez mais frequentemente, assaltado por um sentimento profundamente enraizado em todos os que nasceram em solo pátrio: a saudade.

Quando era mais jovem, irritavam-me particularmente os saudosistas, que, diariamente, faziam a apologia do passado, comparando, sem cessar, as virtudes dos tempos passados com os devaneios das gerações presentes, exaltando os méritos dos portugueses de antigamente e pondo a nu os enormes defeitos dos mais jovens.

Hoje, dou por mim a pensar como aqueles que outrora tanto criticava, os que então apelidava de Velhos do Restelo, sempre prontos a maldizer a situação atual.

Vivemos tempos difíceis, onde à crise económica se junta uma enorme crise de valores. Não é, pois, de estranhar que tenha, como, aliás, muitos outros, uma imensidão de saudades.

Desenganem-se aqueles que julgam que vou fazer a apologia do autoritarismo, da ditadura, do Portugal com as suas províncias ultramarinas. Sou e serei sempre um democrata. Arrepia-me a falta de liberdade que existia no Estado Novo, as terríveis perseguições da PIDE, a guerra do ultramar que ceifava a vida a um considerável número de jovens.

Mas tenho muitas saudades de valores que caracterizavam os portugueses. Não os portugueses do tempo do Estado Novo, mas os portugueses que, ao longo de uma história secular, souberam conquistar o respeito e a admiração do mundo, os portugueses que conquistaram, que inventaram, que inovaram.

Tenho saudades de quando os portugueses não perdiam tempo a elaborar relatórios sobre como reestruturar as dívidas que haviam contraído, de quando a Assembleia da República era um palco composto por deputados de elevada qualidade e carácter, de quando a política era uma nobre arte que despertava o interesse de todos aqueles que pretendiam servir a nação e não servir-se a si próprios, de quando as famílias podiam alegremente desfrutar um domingo soalheiro a ver um jogo do seu clube favorito sem terem receio de se verem envolvidas em rixas e conflitos, de quando nos perdíamos em bibliotecas repletas de livros e enciclopédias sem que pudéssemos recorrer ao Google para encontramos uma resposta em menos de um minuto, de quando jogávamos uma "futebolada" com os nossos amigos em vez de nos "ligarmos" através do Skype ou de enviarmos mensagens pelo Facebook, de quando íamos ao correio enviar uma carta àqueles de quem sentíamos falta em vez de lhes escrevermos um email ou uma mensagem de telemóvel, de quando uns poucos, nossos verdadeiros amigos, nos ligavam quando fazíamos anos em vez sermos bombardeados com milhares de mensagens anódinas nas redes sociais, de quando podíamos almoçar comida tipicamente portuguesa em vez de mergulharmos nos hambúrgueres ou nas pizzas, de quando íamos à Baixa passear sem ser abalroados por uma imensidão de turistas que invadem diariamente as nossas ruas, de quando éramos felizes com tão pouco em vez de estarmos constantemente tristes por ter tanto por onde escolher.

Vivemos num mundo onde os valores vão rareando, onde o dinheiro dita a sua lei, onde tudo é demasiado rápido, onde o progresso não significou mais felicidade. Tenho saudades do passado, tenho receio do presente, tenho medo do futuro. Tenho saudades das coisas genuínas da vida.

in Diário Economico

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