A cartada de Trump

A vitória de Donald Trump constitui mais um balde de água fria na recuperação da economia europeia. Dos EUA, espera-se uma longa viragem para dentro, para os problemas que afectam os milhões de americanos e que votaram pelas opções de Trump. Nem as notícias de eventual fuga aos impostos ou benefício do código de IRC, dos negócios ruinosos e do assédio sexual de que várias mulheres foram alvo, o afastaram da vitória, tal é o descontentamento com o estado da política actual. No fundo, Trump ganhou com uma ideia simples ? cuidar da América primeiro e dos outros depois. Pergunto se não é isso que todos deveríamos fazer?

Para o investidor, as oportunidades não se esgotam nas eleições americanas, muito pelo contrário. Existe já quem tenha criado a carteira "Trump": comprar dólares americanos, vender euros, vender ouro, vender peso mexicano e comprar acções americanas ligadas aos sectores da biotecnologia, das farmacêuticas, da indústria de armamento, da construção de infra-estruturas e do sector financeiro, uma vez que este sector em particular irá beneficiar da forte desregulamentação. Ao que parece, as únicas empresas europeias que irão beneficiar são as exportadoras, muito pelo efeito de desvalorização do euro.

A Europa, que tem muito a perder com esta nova situação, desperdiça tempo precioso em jantares com líderes europeus, cuja preocupação parece ser explicar ao Sr. Trump o que é a Europa, os valores que defende e onde fica a Bélgica. Seria mais produtivo preocuparem-se com o futuro da economia e do sistema financeiro no dia em que for anunciado o "Tax Holiday", através do qual as empresas americanas poderão repatriar os mais de 2,5 biliões de dólares que têm no exterior, ou 13 vezes o PIB português; ou quando for anunciado o IRC de 15%, que baterá quase todos os países europeus. Certo é que, com grande parte desse dinheiro parqueado em bancos europeus, fica por saber que activos irão compensar o balanço dos bancos pela perda destes depósitos.

Uma das consequências destas eleições, há muito esquecida, é a subida dos juros. Se Trump cumprir com o prometido, teremos uma forte injecção de fundos na economia, grande parte proveniente do aumento da dívida americana, que já se aproxima dos 20 biliões de dólares. Para comprar nova dívida de longo prazo os investidores irão exigir mais rendimento, uma vez que a perspectiva de inflação figura no horizonte. Resta saber como podem evoluir os salários quando na base da criação de riqueza está o aumento de dívida.

Enquanto a Europa vai continuar a deambular sobre consensos, que bem ou mal já pouco dizem a uma vasta camada da população, Trump irá jogar a sua cartada na captação dos recursos que estão espalhados pelo mundo, incluindo a capacidade de emitir dívida.

O fim da União Europeia como a conhecemos aproxima-se a passos largos e não o devemos a Trump, mas às últimas duas décadas de politização, regulamentação e complicação da vida dos cidadãos. Quando os políticos recusam ouvir o que se passa na profundeza do pensamento dos cidadãos, normalmente acontece o inesperado. E este é apenas o início de uma longa caminhada?

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

in Diário Economico

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