Os "bolcheviques" do Brexit

Escrevi vai para cinco meses que a Grã-Bretanha, em obediência ao princípio da "soberania parlamentar" que preside ao seu Direito Constitucional, não podia concretizar o Brexit sem a participação e decisão do seu Parlamento. Dizem alguns que nada pior do que ter razão antes de tempo. Não é o caso. A razão ? e alguma há-de existir naquela conclusão ? vai muito a tempo.

Foi o que a semana passada três Juízes do High Court britânico vieram dizer com a parcimónia e a clareza típicas de gente habituada a separar o trigo do joio (ou, se se quiser, a Lei da Política). Em dois parágrafos os juízes reafirmaram que a democracia e o "rule of law" são os pilares da Constituição inglesa. A decisão não se pronunciou sobre se o Brexit deveria ser travado ou adiado. Apenas que a saída da UE, a concretizar-se pela invocação do art. 50º dos Tratados europeus, terá de ser feita respeitando a Constituição. E isso porque estão em causa direitos fundamentais que vieram a ser incorporados no Direito britânico por força de uma lei do Parlamento ? justamente a European Communities Act de 1972 ?, os quais só através de outra lei do parlamento, e não do Governo da Sra. May, podem ser alterados ou suprimidos.

É claro que os "bolcheviques" do Brexit, lá e cá (que os há e aguerridos), vieram logo dizer que "os juízes são inimigos do povo". Muitos adoraram as capas do The Sun, do Daily Mail e do Daily Telegraph. Algumas delas são realmente típicas do regime de Robert Mugabe (Zimbabué), como referiu, indignado, o antigo attorney-general Dominique Grieve.

Isto só confirma a ideia de que nem na mais antiga (e representativa) democracia do mundo nos livramos dos imbecis e dos adeptos do "poder popular" (quando este é favorável às suas causas?). Chegaram mesmo a comparar o papel dos juízes no sistema político inglês com o Supremo norte-americano. Não tem qualquer comparação. A orientação política dos juízes americanos está presente em quase todas a suas decisões. É isso que explica que em 2000 as eleições presidenciais tenham sido ganhas por George Bush e não por Al Gore. Apenas porque, na altura, a maioria dos juízes do Supremo tinha sido escolhida por presidentes republicanos. Mas não é assim na Grã-Bretanha, onde os juízes não fazem política e são escolhidos pelas suas credenciais jurídicas.

É claro que, dando a palavra aos “MPs” não sabemos qual será o destino do Brexit. É possível que o Parlamento britânico procure respeitar o voto referendário, ainda que muitos deputados, sobretudo os trabalhistas, tenham que quebrar várias juras e rezar não sei quantos actos de contrição. Mas é também possível que o rejeitem. Uma coisa é certa: o actual Governo inglês não sabe como lidar com a verdadeira bomba-relógio (avariado) que o senhor Cameron lhe legou.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

in Diário Economico

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