A oeste nada de bom e a leste também não

Ontem o mundo mudou para pior, ou muito pior. Ainda não sabemos, mas suspeitamos que nada de bom venha da presidência Trump, desde logo para os países europeus mais vulneráveis à agressão da Rússia (Bálticos, Polónia, etc.), que um jornal britânico dizia deverem estar aterrados, resultado de um previsível enfraquecimento da NATO e de uma política externa de apaziguamento.

Nada que me tenha espantado. Em junho escrevi no Económico que "o herdeiro de negócios da construção civil e casinos conseguiu convencer, segundo as sondagens, cerca de metade do eleitorado dos EUA a elegê-lo para Presidente nas eleições de Novembro." Sempre levei o homem a sério. Quem não percebeu que este desfecho poderia mesmo ocorrer, como ocorreu, foi o Partido Democrata, Hillary Clinton e a sua equipa e os media.

O New York Times escreve hoje uma espécie de ato de contrição. Os media não perceberam a força do movimento populista que vinha a formar-se desde pelo menos 2008, apesar de ser “a história de vida".  Diz que "ninguém previu que isto poderia acontecer", mas a verdade é que houve quem previsse.

Não perceberam a “fúria fervilhante” de uma grande parte do eleitorado americano que se sente traído por uma economia seletiva, pelos tratados de livre comércio que acham que ameaçam os seus postos de trabalho, que se sentem desrespeitados pelo ?establishment' de Washington, por Wall Street e pelos media ?mainstream'. Fico impressionado como é que não perceberam. Estava mesmo à frente dos seus olhos. Muitos, na Europa, à distância de um oceano, perceberam, como The Economist ou o Financial Times.

O NYT diz que os jornalistas não questionaram as sondagens, não acreditaram que Trump estivesse de facto em contacto com a realidade. Acharam que o resultado estava definido há um mês. Clinton teria "uma vitória substancial mas não esmagadora  (Huffington Post). John King, o guru eleitoral de CNN, reconheceu ao fim da noite que não tinha havido uma conversa baseada na realidade. Os media falharam na sua missão mais fundamental, reconhece o NYT.

As sondagens, que desgraça. Depois do falhanço das previsões no Brexit, agora estas. Claramente estão desfasadas da realidade. Os telemóveis não constam da lista telefónica e é muito mais complicado inquirir. Os media recriminam-se agora de não terem investigado a propaganda de Trump: aprofundar sobre a construção do muro com o México ou o controlo fronteiriço dos islâmicos.

Os media e a campanha de Clinton sobreavaliaram o peso eleitoral dos brancos com canudo e subavaliaram o dos muito mais numerosos trabalhadores brancos sem canudo, aqueles que elegeram Trump, porque muito simplesmente os jornalistas não estão em contacto com essa gente. Um fenómeno cultural há muito conhecido com reflexos extremamente negativos na qualidade do jornalismo, como se vê.

A realidade do povo trabalhador branco foi desprezada. A campanha de Clinton considerou esta gente como “deploráveis”, uma “simpatia” para com este eleitorado chave e uma inabilidade extrema. Houve muitos erros estratégicos, como considerar que os estados tradicionalmente azuis, como o Michigan, estavam no papo pelo que praticamente não fez ali campanha nem publicidade na TV.

Em conclusão: um bando de papalvos com a mania da superioridade, esmagados pela esperteza do pato bravo populista e demagogo, Donald Trump, que sabia ao que ia e que ganhou atacando normas seculares da política americana e as convenções sobre decência. Agora estamos todos lixados. Ora toma!

in Diário Economico

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