Reflexões a quente

Ainda com a inesperada eleição de Donald Trump muito quente, parece já ser possível descortinar alguns aspectos importantes no contexto deste resultado.

Fracasso das sondagens ? Independentemente de tudo o que se vá dizer sobre (mais um) fracasso das sondagens, deverá ressalvar-se que o sistema eleitoral norte-americano é particularmente complexo, em função da existência de um Colégio Eleitoral e do facto de 48 dos 50 estados elegerem os seus representantes neste órgão segundo a lógica do "winner takes all". Hillary Clinton pode ainda ficar em primeiro lugar em termos de voto popular, o que aproximaria a realidade dos resultados projectados pelos estudos nacionais.

"It's the economy, stupid" ? A frase utilizada por James Carville, estratega da campanha de Bill Clinton, em 1992, continua a aplicar-se. Ao que tudo indica, houve uma afluência não prevista às urnas de boa parte do eleitorado que mais tem sofrido com a globalização e a abertura da economia norte-americana ao comércio exterior. Isto poderá explicar a derrota de Clinton em estados tendencialmente democratas, como o Michigan ou o Wisconsin. É um fenómeno semelhante ao que assistimos em França com a transferência de antigos eleitores do Partido Comunista Francês para a Frente Nacional. Quando a posição dos cidadãos enquanto agentes económicos muda (de operários activos para desempregados ou reformados), a sua posição enquanto agentes eleitorais também pode mudar.

A derrota do convencional ? Hillary Clinton fez o que, há uns anos, seria qualificado como uma "campanha sem erros". Apesar da pressão provocada pela (não) investigação do FBI, ganhou os três debates a Trump e não caiu no erro (cometido por Al Gore em 2000) de renegar o apoio de um Presidente popular como Barack Obama. Porém, o paradigma eleitoral mudou e a conjugação da mobilização do eleitorado descontente com o "sistema" com uma Hillary a corporizar esse mesmo sistema revelou-se fatal para a sua candidatura.

Dinâmica interna ? Fora dos Estados Unidos, todos os olhares recaem sobre a política externa da futura administração. No entanto, Trump será julgado sobretudo pela aplicação do seu programa económico interno, que lhe exigirá uma autêntica quadratura do círculo: ou o aplica à letra e destrói todo o legado de Obama no plano económico ? com um enorme potencial para gerar desemprego e desequilíbrios nas contas públicas ? ou recua e passará à galeria dos políticos do sistema, defraudando milhões de eleitores.

in Diário Economico

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