O mundo de olhos postos nos EUA

Na madrugada de amanhã conhecer-se-á o resultado das eleições que assumem um carácter verdadeiramente global e cujo resultado tem deixado o mundo em suspenso.

O fenómeno Donald Trump, um populista difícil de categorizar, que inclusivamente repele uma boa parte da base eleitoral clássica do partido pelo qual concorre, é de tal forma bizarro que não é possível em poucas linhas analisar as suas causas e consequências.

Mais do que o seu programa político interno, é a atitude para com o exterior que nos deixa verdadeiramente assustados. A sua vitória introduziria um nível de imprevisibilidade no panorama político internacional cujas repercussões são praticamente impossíveis de antecipar. Aliás, a sua entrada em cena é tão disruptiva que até a derrota provocará danos que extravasam as fronteiras do seu país.

As democracias ocidentais atravessam uma crise de credibilidade que os políticos das famílias tradicionais à esquerda e à direita não têm, por diversos motivos, sabido contornar. A propensão para classificar esta deriva populista como um desvio da direita tradicional acaba por ser uma visão simplista e redutora do problema que não ajuda a compreender os seus motivos.

Muitas vezes identificado como de "extrema-direita", o populismo não tem, na verdade, valores em comum com a direita conservadora e de cariz democrata-cristão que surgiu após o termo da Segunda Guerra Mundial. O típico político populista não quer conservar ou preservar os valores do status quo. Pelo contrário, quer minar o sistema, abanar as convenções, romper com os equilíbrios estabelecidos.

A mensagem difere ligeiramente de país para país, mas existem sempre bandeiras idênticas, que tanto podem ser facilmente identificadas com a direita (a batalha contra a imigração) como muito pelo contrário ? o proteccionismo económico e o discurso anti-globalização são disso exemplo. Mas o maior perigo reside na cada vez maior agressividade relativamente àquilo que a esquerda e a direita tradicionais, apesar das suas diferenças, sempre tiveram em comum: a defesa do Estado de Direito Democrático como valor supremo.

Seja Trump, seja na Hungria, na Polónia ou no Reino Unido, este tipo de políticos populistas coloca a sua agenda à frente de princípios basilares das suas próprias Constituições. Veja-se, por exemplo, a reacção à decisão de um Tribunal britânico de sujeitar o Brexit à votação no órgão por excelência da democracia representativa.

A vitória de Trump serviria de impulsionador da tendência e provavelmente assistiríamos à rápida replicação do estilo um pouco por todo mundo, com resultados seguramente catastróficos. Felizmente, o cenário não parece provável. Contudo, ainda que o mundo suspire de alívio amanhã de manhã, a tendência de aparecimento deste tipo de políticos está a aumentar e a luta pela sobrevivência do Estado de Direito Democrático não terminará por aqui. Estará porventura apenas a começar.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.

in Diário Economico

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