João Cravinho: “Diabolização do betão é contraproducente”

Segundo João Cravinho, existe uma “ideia corrente” em Portugal que consiste na diabolização do betão. Numa intervenção realizada na Ordem dos Engenheiros (OE), no âmbito de uma sessão dedicada aos 30 anos da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE, agora União Europeia – UE), o antigo ministro português caracterizou essa diabolização como “muito contraproducente”.

Cravinho explicou que, “se quisermos reduzir as dispersões inter-regionais” do país, aumentando a equidade territorial, “temos de fazer investimentos que não são económica e financeiramente rentáveis”. “Não são negócios para um privado e são detestáveis para alguns homens de estado”, acrescentou o engenheiro.

Segundo o antigo ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território do XIII Governo Constitucional, muitos dos investimentos na infra-estrutura do país “não se pagam a si próprios”. “Portanto, não interessam ou adiam-se”, referiu, admitindo que, em muitos casos é uma decisão “razoável”. Porém, noutros casos constitui “um grave atentado a um princípio fundamental de decência humana que é o princípio de coesão económica e social”. Neste contexto, Cravinho considera que os engenheiros têm “um papel muitíssimo importante que devem manifestar e exercer”.

João Cravinho relembrou que as infra-estruturas, “pela sua própria natureza, sobretudo quando sofreram – como é o caso português – uma grande evolução, estão em todo o lado”. De acordo com o ex-ministro, a noção de que as infra-estruturas “estão por trás de tudo” é frequentemente “subestimada”.

“A grande transformação económica e social que o país teve – e que foi enorme! – nos últimos 20 ou 30 anos deve-se a factores como os fundos estruturais [da CEE], sobretudo quando se fala em infra-estruturas”, explicou, destacando também a importância da”convergência institucional e a convergência de modos de racionalidade” no desenvolvimento do país.

Denotando que a mortalidade infantil, a esperança de vida e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) constituem “os três indicadores genéricos da evolução da prosperidade e do bem-estar”, João Cravinho lembrou que “hoje estamos no topo do índice mundial na mortalidade infantil e ganhámos nove anos de esperança de vida à nascença, o que é enorme”. Segundo o antigo ministro, por trás das transformações económicas e sociais “que conhecemos estão sempre, as infra-estruturas”.

“Tivemos grandes taxas de crescimento precisamente no período entre as décadas de 80 e 90 e já há reflexão das ajudas pré-adesão como dos próprios fundos estruturais”, explicou, frisando que o país se tornou “muito mais homogéneo em termos de acesso a algum nível de vida comparável, e isso deve-se essencialmente às infra-estruturas”.

Para onde vamos?

Actualmente, segundo João Cravinho, Portugal está “surpreendemente bem” no ponto de vista da comparação internacional e apontou o 35.º lugar obtido pelo país no índice de competitividade global. A competitividade global das infra-estruturas, por sua vez, situa-se no 15.º lugar e, o país é o quarto melhor no mundo em termos de qualidade da sua rede rodoviária. “Sem as infra-estruturas, o lugar de Portugal no Ranking da Competitividade Global desceria muitos pontos”, sublinhou o engenheiro.

De acordo com Cravinho, o território português tem de ser infra-estruturado e o país continuará a ter “grandes necessidades de infra-estruturas”. Para que modelo de desenvolvimento deverão estas necessidades estar apontadas? “Se vamos construir e investir, semear o território de peças absolutamente sensíveis e inamovíveis, é evidente que temos de saber para onde vamos e o que queremos ser daqui a 30 ou 40 anos”, avisou.

Neste contexo, o engenheiro apontou dois cenários: o da periferização no Horizonte 2050, ou o da “atlantização”. O primeiro caso foi descrito por João Cravinho como “o contraste negativo do nosso futuro. No contexto da “atlantização”, o ex-governante explicou que Portugal se diferencia da Espanha, neste cenário, “em vez de lhe estar umbilicalmente ligado via Madrid”, florescendo também o país vizinho, “numa perspectiva policêntrica”.

O contexto da estratégia atlântica, nas palavras de João Cravinho, consiste em instalar, na fachada atlântica, “uma grande aglomeração metropolitana polinucleada, na ordem dos 8 milhões de habitantes, funcionando articuladamente”.

“Estamos a falar de uma grande aglomeração metroplitana, de dimensão e nível europeus”, ressalvou, exemplificando com o modelo holandês – “a Holanda funciona exactamente como uma grande aglomeração metropolitana polinuclear e funciona muito bem!” Por isso, exige-se que o país faça a europa reconhecer “este desígnio português” a fim de serem preparadas as infra-estruturas para tal, num acto de “inserção nas redes transeuropeias”. “É instalar em Portugal um segmento muito considerável de infra-estruturas da rede transeuropeia, o que significa que a Europa reconhece que é do interesse comum a atlantização de Portugal”, explicou.

Neste cenário, o país teria de “encontrar saída para os dois lados: para o mar largo, o globo, a economia global” e para o lado terrestre. No primeiro caso, os grandes pólos seriam Sines, do lado marítimo, e, do lado aeroportuário, um novo aeroporto em Lisboa “de grande capacidade e nível, com um “hub” voltado para o Atlântico Sul”. Do lado terrestre, para chegar ao Centro e Noroeste da Europa, impõe-se o reforço “das possibilidades de ligação a Espanha”.

“Nesta perspectiva de modelo de desenvolvimento de metrópole polinucleada, o parâmetro chave de reestruturação dessa metrópole, no plano interno, é a possibilidade de as pessoas viverem, trabalharem e sentirem-se numa mesma aglomeração polinucleada, o que significa, neste caso, em breve, uma norma de mobilidade”, revelou.

Segundo esta norma, a infra-estruturação deveria permitir que três em cada quatro portugueses estivesse, no máximo, à distância de uma hora e meia de Lisboa ou do Porto e três em cinco deveriam estar a uma hora e meia, simultaneamente, entre Lisboa e Porto. Para Cravinho, esta é a chave fundamental da metropolitização e exigira “uma grande rede de auto-estradas, uma grande melhoria da rede viária geral, comum, e exigiria também o transporte de alta velocidade entre Lisboa e Porto”.

Neste sentido, João Cravinho considera que é precisa “uma grande preocupação com a lógica de longo prazo”. “O planeamento em Portugal está mais do que moribundo, está comatoso!” referiu, explicando que o país “foi desmantelado por completo nos últimos anos, substituído pelos pareceres dos consultores nacionais e internacionais”. “Portanto, planeamento não há, até porque há razão ideológica para isso”, sublinhou o engenheiro, criticando a noção de que “o mercado resolve”. Contudo, “os mercados são miópticos e não fazem o planeamento”. “Só fazem quando lhes pagam!”, criticou.

Para o antigo ministro, Portugal tem de ter objectivos definidos em contemporaneidade, “dentro das possibilidades que temos ou, mais importante, dentro das possibilidades que podemos construir no horizonte de acção”. “Começamos com poucas capacidades, construímos as capacidades necessárias, humanas e organizacionais e atacamos o objectivo final, de modo a que, na data devida, possamos ter meio de lá estar [no cenário pretendido]”.

Relativamente ao sector aeroportuário, o engenheiro declarou que o país chegou a uma situação “em que a única solução em cima da mesa é Portela mais Montijo” e lembrou que a capacidade actual do aeroporto da Portela “está saturada”. Perante esta situação, “ou há segregação de tráfego na Portela e as “low costs” vão todas para o Montijo, ficando na Portela a TAP e as linhas aéreas tradicionais” ou não há segmentação.

Com a referida segmentação, a Portela ganha uma capacidade adicional, à qual se junta a capacidade deixada vaga pelas “low costs”, transferidas para o aeroporto do Montijo. Não havendo segmentação, “crescendo a quantidade do tráfego como está a crescer, a capacidade necessária para desenvolver, consolidar e manter no futuro um “hub” europeu de grande dimensão fica esgotada em 2025″.

in Construir

Ver original


Parcerias

Arquivo