Bom senso e contenção na aplicação de sanções contratuais

pedromatiaspereiraA aplicação de multas contratuais na execução do contrato de empreitada de obra pública contende diretamente com o equilíbrio do mesmo e com a tutela dos interesses em causa, nomeadamente o interesse do empreiteiro no recebimento do preço contratual acordado.

Uma sanção pecuniária, desde que garantida por caução ou por mecanismo de desconto nos pagamentos devidos ao empreiteiro, afeta imediatamente o planeamento financeiro do contrato, o que, quando as margens de rentabilidade são reduzidas ? como acontece em períodos de redução dos contratos públicos adjudicados ? pode colocar imediatamente em causa a compensação pela execução do contrato e, mais gravemente, colocar mesmo em causa a solvabilidade do contraente privado.

Além disso, temos que, a par das dificuldades próprias de cada empreiteiro, ainda vivemos sob os efeitos de uma crise económico-financeira generalizada, o que torna extremamente difícil o recurso ao financiamento por parte das empresas. Ou seja, ao contrário do que aconteceria no passado ? em que talvez fosse possível às empresas recorrer ao financiamento bancário para superar as dificuldades resultantes de um "estrangulamento" dos resultados líquidos da execução de um contrato ?, isso, nos tempos atuais, é muitíssimo difícil.

Neste contexto, tem-se reforçado a ideia de que as situações de crise contratual exigem uma resposta diferenciada: sempre que os motivos que conduzem a essa crise não frustrem por completo o "interesse público no cumprimento do contrato", ela pode justificar, com vista à sua superação, um reforço da colaboração entre as partes, designadamente, da colaboração da entidade pública com o seu cocontratante privado.

Desta ideia do dever de cooperação tem emergido uma conceção moderna das entidades públicas como devendo estar ativamente comprometidas na gestão do contrato e interessadas no seu destino final, designadamente na procura de soluções que evitem o incumprimento do contrato e os elevados custos daí decorrentes.

Proteger o contrato é, então, uma questão de boa governação pública. Por isso, deve ter-se como ultrapassada a visão do dono de obra pública como um gestor passivo do contrato a quem cabe pagar um preço e fiscalizar a execução da obra (muitas vezes externalizando esta atividade); isto é, o dono de obra público não deve deixar o empreiteiro entregue a si próprio, pois uma gestão empenhada, diligente e atenta do contrato poderá, se a execução do contrato já for boa, melhorá-la e, se a execução do contrato estiver em perigo, salvá-la.

Essa proteção do contrato pode passar, tal como vem sendo admitido, por uma recompreensão do poder de aplicar sanções; é que não aplicar uma sanção pode ser ? depende da situação concreta ? uma medida administrativamente interessada e a decisão de a aplicar pode ser, afinal, mais um (muitas vezes importante) passo no processo de degradação económica do empreiteiro.

Nestes casos a sanção ? que serve para compelir ao cumprimento do contrato ? pode ser contraproducente.

Não aplicar sanções contratuais justifica-se assim por um motivo oportunista (mesmo egoísta) da entidade pública que abdica do recebimento de um determinado montante mas evita a degradação da situação económica e financeira do contraente privado (que, em casos limite, pode mesmo ressalvar para a insolvência) e, consequentemente, os custos de um contrato incumprido: não ter a obra pronta no tempo fixado e ver-se forçada a abrir novo concurso ? gastando tempo e mais dinheiro público ? na escolha de um empreiteiro para lhe terminar uma obra por outro iniciada, tarefa que é sempre difícil e permite a dispersão da responsabilidade pelos defeitos da obra.

A possibilidade de atenuar (ou não aplicar) sanções contratuais depende da análise do caso concreto pelo dono de obra público. Neste domínio serão determinantes as capacidades de gestão do contrato por parte das entidades públicas, revelando-se cada mais necessária a importação para o setor público das noções de skill and business típicas da gestão de contratos privados.

ARTIGO DE OPINIÃO Pedro Matias Pereira, Associado da TELLES e  Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

 

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