"A arquitectura e o design têm um papel transformador"

chcollageDuas arquitectas, uma paixão … Foi assim que surgiu o Cross Hands Architecture, uma Organização de arquitectura humanitaria, que pretende dar resposta através da arquitectura e do design a algumas realidades do mundo actual. Ângela Pinto e Joana Lacerda foram Finalistas do Prémio Nacional Indústrias Criativas 2015 – Unicer | Serralves e Semi-Finalistas na categoria de Empreendedorismo Social do programa Realize o Seu Sonho | Associação Acredita Portugal. Juntas, querem melhorar vidas e  fazer a diferença no Mundo, de preferência sem sair de Portugal. Em entrevista ao Construir, as duas arquitectas falam da Organização, dos projectos em que estão envolvidas e das perspectivas de futuro.

 Como surgiu a Cross Hands Architecture e que objectivos gostariam de alcançar? A Cross Hands Architecture surgiu da vontade comum a duas amigas, que já existia desde os tempos de faculdade, em dar resposta através da arquitectura e do design a algumas realidades do mundo actual que mais nos descontentam. O curso que frequentámos – "Designing Emergency Shelters" – e consequentemente o 1º prémio que ganhámos com um projecto de abrigos para refugiados sírios (em parceria com outra arquitecta) catalisou a vontade de trabalharmos juntas. Depois disto, existe muito trabalho investido?lançamo-nos no "mundo" do empreendedorismo social, estabelecemos contactos importantes e dedicamos todo o nosso tempo a este projecto. Sentimo-nos privilegiadas por usar a nossa profissão para melhorar vidas, é isto que nos move pessoal e profissionalmente. Estamos a trabalhar para que a Cross Hands Architecture seja brevemente uma Organização com o objectivo de promover os Direitos Humanos através da arquitectura e do design envolvendo diferentes áreas de conhecimento no processo criativo. Queremos espalhar a mensagem de que cada um pode ser um "change-maker" e motivar pessoas a fazer algo melhor pela humanidade, contribuindo para um mundo mais justo.

Especificamente o que pode ser objecto de uma intervenção da vossa parte? Que serviços prestam? Iremos intervir em situações em que os Direitos Humanos são violados e para os quais a arquitectura e o design têm um papel transformador. A nossa metodologia passa por detectar e identificar comunidades carenciadas que necessitem dos nossos produtos ou projectos de arquitetura. Assumimo-nos como "problem solvers" e acreditamos que a co-criação é o melhor veículo para envolver agentes de diferentes áreas de conhecimento para conseguir soluções mais assertivas ? assim começa o processo criativo da Cross Hands Architecture. Posteriormente, encontramos stakeholders e parcerias que nos permitam dar início à fase de implementação. Uma vez que não queremos que a nossa solução se restrinja só ao nível da arquitectura, prevemos para cada projecto uma missão de voluntariado onde se transmitam outros conhecimentos que tornem as comunidades auto-suficientes.

 Em termos práticos como sobrevive um gabinete que trabalha para causas humanitárias? Qualquer negócio social tem os seus desafios, a Cross Hands Architecture não é excepção. É essencial ter estratégias bem delineadas para garantir que o negócio se mantém estável e nós estamos precisamente nessa fase ? estamos a desenvolver o nosso modelo de negócio que assenta na lógica de apadrinhamento dos nossos projectos, apoios como fundos europeus ou de fundações, parcerias com entidades com responsabilidade social bem como a comercialização de alguns dos nossos produtos.

  Pensam sair de Portugal, ou acham que podem fazer a diferença no Mundo sem sair do nosso País? Queremos que a Cross Hands Architecture seja uma Organização portuguesa que trabalhe para o mundo e para tal, não desistiremos da ideia de ficar no nosso país (embora tenhamos consciência dos desafios que isso nos traz). Acreditamos que com os meios de comunicação que hoje em dia existem, esta intenção será possível e que iremos fazer a diferença no Mundo.

Como viram a atribuição do Pritzker a Alejandro Aravena e consequentemente a uma arquitectura de cariz mais social? Ficamos contentes por ver o trabalho de um arquitecto como o Alejandro Aravena reconhecido até porque já seguimos o seu percurso há muito tempo. É muito bom ver que o mais importante prémio da nossa área distinguiu um arquitecto que utiliza o seu conhecimento para melhorar vidas. Acima de tudo vemos este prémio como um "despertar de consciências" porque ainda existem muitos que não reconhecem este tipo de intervenções como arquitectura.

Acham que as causas humanitárias na arquitectura estão a ganhar terreno ao chamado star system e à arquitectura de autor? Pode ser uma tendência? Sim, acreditamos que existe uma tendência (talvez não tão efémera como outros movimentos arquitectónicos) voltada para a arquitetura humanitária no entanto, não podemos dizer que está a ganhar terreno perante o "star system" e arquitectura de autor?ainda existe um desequilíbrio muito acentuado entre os que vêm a arquitectura pelo prisma "show-off" e os que a vêm como um meio de promoção da dignidade do ser humano.

 Que arquitectos ou gabinetes vos servem de inspiração nesta temática? Embora não nos inspiremos apenas em arquitetos, não podemos deixar de salientar o trabalho dos Urban Nouveau, Kéré Architecture ou as portuguesas Blaanc. Acompanhamos também o trabalho de Organizações e Fundações como Architecture for Humanity, Techo, Architects without borders e IKEA Foundation.

 O gabinete nasceu no início de 2015, como foi o ano e que perspectivas têm para 2016? 2015 foi um ano muito bom?a Cross Hands Architecture nasceu e sentimos que o percurso que já traçámos foi surpreendentemente positivo. Fazendo uma retrospetiva, vemos que o nosso projecto é bem aceite por todos e que tem potencial no mercado da ajuda humanitária. Participamos em dois dos principais concursos de empreendedorismo nacionais: Acredita Portugal do qual ficamos entre os 150 semi-finalistas das cerca de 18.000 candidaturas; e Prémio Nacional Indústrias Criativas, tendo ficado entre as 220 candidaturas nos 10 finalistas e ganho uma menção especial. Após estas etapas, fomos aceites como projecto residente na Porto Design Factory "uma plataforma experimental de co-criação, co-desenvolvimento e aceleração de ideias inovadoras" que nos deu a oportunidade de construir o 1º protótipo do C.H. Human Shelter. Quanto a 2016, podemos dizer que começou da melhor forma, estamos desde o início de Janeiro a morar em Leipzig, Alemanha (onde estaremos até Junho) com uma bolsa no Social Impact Lab para desenvolvermos o nosso modelo de negócio e aumentar a rede de contactos. Estamos neste a momento a estabelecer contacto com Organizações locais que estejam a trabalhar para os refugiados para que possamos fazer voluntariado aqui na Alemanha. Prevemos para breve (ainda sem data definida) uma viagem a Lesbos e a um campo de refugiados para conhecer mais de perto o drama destas pessoas e assim desenvolver melhores respostas para este problema.  O segundo semestre deste ano será dedicado à constituição da Organização Cross Hands Architecture, criação de parcerias e de novos projectos.

Neste momento em que projectos estão envolvidas? Pelos conhecimentos que adquirimos nesta área e pela pertinência actual do tema, neste momento estamos dedicadas à questão dos refugiados com dois projectos distintos, pensados para diferentes situações: o C.H.Human Shelter, um abrigo transitório capaz de ser implementado em qualquer campo de refugiados do mundo, tendo a possibilidade de se adaptar a situações de catástrofe. Tem uma planta retangular de 21 m2 de área e abriga 5 pessoas no mínimo. A sua forma arquétipo de casa foi pensada para ser essencialmente construída pelo utilizador, sem recurso a máquinas, criando um espirito de pertença e recomeço ao refugiado.  E a C.H. Human Box – um kit de sobrevivência para uma família de 4 pessoas que desenvolvemos para os refugiados que atravessam a Europa, de modo a garantir que a caminhada destas pessoas é feita com maior conforto e dignidade possíveis. É uma mochila construída em polipropileno alveolar, através de uma estrutura tridimensional planificada. Tem um painel solar, que alimentará um sistema de iluminação, a bateria de um telemóvel e uma resistência para aquecer líquidos numa garrafa térmica. Para além disto, será preenchida com bens que consideramos ser essenciais em casos de emergência como, mantas térmicas, impermeáveis, 1ºs socorros, higiene pessoal. Tem um preço total de 64?, o que corresponde a cerca de 16? por pessoa. Terminamos recentemente a campanha "Abrigas Vidas", uma recolha de bens essenciais para o inverno como roupas e alimentos não perecíveis. Estamos a tratar da logística de transporte para a Alemanha onde pretendemos entregar pessoalmente as doações dos portugueses.

in Construir

Ver original


Parcerias

Arquivo