“É fundamental continuar a financiar os projectos de investigação”

FernandoBrancoEleito presidente da International Association for Bridge and Structural Engineering (IABSE), Fernando Branco pretende “abrir” mais esta associação ao público, com o intuito de sensibilizar mais a sociedade para os benefícios da engenharia. Para o docente do Instituto Superior Técnico, o futuro da inovação na engenharia de estruturas reside nos novos materiais e, para que a investigação continue, é necessário manter o financiamento das bolsas de estudo.

Há alguns anos, referiu-me que um problema que a investigação em engenharia civil enfrentava consistia no facto de os alunos, muitas vezes, não tinham um objectivo para desenvolver para as suas teses, dado que as empresas não apresentavam carências. Há desenvolvimentos nesta área?

Melhorou à custa do lançamento do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), que obriga as empresas a concorrerem ao lado das universidades. Neste momento, há um grave problema. Os fundos para investigação, neste momento, foram cortados para toda a área de Lisboa de 75%, que era o financiamento típico, para 40%, o que inviabiliza que o Técnico possa apoiar, em termos de investigação, toda a indústria nacional. Na realidade, o grande peso no financiamento consiste nas bolsas de mestrado e doutoramento. Neste momento, temos, só em engenharia civil, 120 estudantes de doutoramento. Foi eleito em Setembro, como presidente da IABSE, para o próximo triénio. Como se traça o seu percurso nesta instituição?

Eu comecei como membro de vários grupos e, nos últimos anos, tenho estado na administração da IABSE. Comecei por dirigir o Comité Técnico, relacionado com toda a parte científica da instituição e, mais recentemente, passei para o Comité Executivo e Administrativo. Os presidentes são eleitos entre os vice-presidentes, que são 12, e foi dentro desse grupo que fui eleito. Como presidente, quais serão as suas funções?

Basicamente, consistem em manter a IABSE a funcionar. Temos a organização anual de um congresso e, por vezes, de um simpósio também, que têm que se manter. Nos últimos dois anos, foi decidido, internamente, repensar a IABSE e eu fiz parte desse grupo de trabalho. Neste acto, a grande direcção a seguir é abrir mais a instituição ao mundo. Os engenheiros de estruturas chegam pouco à sociedade, portanto, a nossa ideia é, precisamente, em todos estes grandes congressos, tentar mostrar à sociedade as vantagens das estruturas e das construções, e tentar fazer essa ligação. Trouxemos para Genebra ? a sede ? várias pessoas que não são engenheiras, para mostrar o papel da engenharia em geral, face à sociedade. As pessoas habituaram-se de tal forma a que a engenharia funcione bem, que hoje já não têm em mente que quando abrem uma torneira que, para terem água nessa torneira, teve de ser construída uma barragem e tubagens de quilómetros. Portanto, vamos apostar nisso, na remodelação das cidades que, por factores ambientais, terá de acontecer, quer ao nível dos edifícios, com toda a parte de climatizações, quer a nível das novas estruturas que começam a ser feitas para as renováveis. Há todo um conjunto grande de desafios para apreciar e é daqui que surgem as ideias novas. Outra coisa em que estamos a apostar muito é em trazer jovens para a engenharia, porque a engenharia, em todo o mundo, carece de jovens. Começa a notar-se a falta de engenheiros. O que acha que tem afastado os estudantes da engenharia?

São cursos mais pesados, é um facto, não são áreas particularmente bem remuneradas e, depois, há a questão da matemática não ser querida entre os estudantes. Temos claramente de desmistificar o papão da matemática, que corta tudo o que são áreas científicas. Tem de se actuar a nível do ensino secundário. Noto que quem segue a licenciatura de arquitectura tem uma vocação clara. Quem segue para engenharia civil, não tem uma vocação clara para esta área. Por outro lado, as bases que a licenciatura em engenharia civil proporciona aos formandos, prepara-os para trabalharem também fora dessa esfera?

É uma particularidade que a engenharia civil tem – um espectro mais largo – e mantemos esse conceito. Aliás, neste momento, no Técnico, estamos a alargar ainda mais esse espectro, com uma componente de gestão mais forte no nosso curso de base. Sentimos que, passado alguns anos, um engenheiro está em lugares de gestão, e não estamos a dar-lhe os mínimos. Vamos reformular o curso para dar um perfil de gestão aos estudantes de engenharia civil, que lhes dá as bases de empreendedorismo, de lançamento de empresas, entre outros. Que estratégia tem para o próximo triénio, enquanto presidente da IABSE?

Essencialmente, é mudar a imagem. A IABSE é liderada, pela Europa, onde nasceu, tem um peso significativo na América do Norte e na Ásia. Aliás, na Ásia, teve um grande crescimento devido ao investimento chinês, japonês, sul-coreano e indiano. Gostava de estender esta influência à América Latina. Na instituição temos apenas, desta região, uma participação pequena do Brasil. Outra grande linha de acção que pretendemos seguir é abrir a IABSE o mais possível para novos grupos de desenvolvimento para estarmos na liderança das ideias novas. Depois há a questão que já referi, de integrar cada vez mais a engenharia civil na sociedade, mostrando à sociedade a importância do nosso papel. A sua eleição ocorre no mesmo ano em que Mineiro Aires é eleito presidente do Conselho Mundial de Engenharia Civil (WCCE) e pouco mais de um ano após José Vieira ter assumido a presidência da Federação Europeia das Associações Nacionais de Engenharia (FEANI). Isto é uma prova de que a engenharia portuguesa se notabiliza cada vez mais no mercado global?

É uma prova de que está bem reconhecida no mercado global. Claramente, a engenharia civil portuguesa é muito respeitada. Em termos de investigação, em que áreas da engenharia de estruturas têm ocorrido os maiores avanços tecnológicos?

Para mim, o futuro da engenharia de estruturas está nos novos materiais, desde os betões de alta performance, que começam a aparecer, aos compósitos. Estes novos materiais é que vão fazer acontecer a revolução das estruturas. A par disso, começa a aparecer outro sector que é o da interligação das estruturas com a electrónica – toda a parte das monitorizações, da análise ao comportamento com o tempo, etc. Hoje, as grandes construções têm milhares de sensores que usam a internet como meio de comunicação. Quais os benefícios da implementação desses sensores nas estruturas?

A durabilidade. Estes sensores são capazes de prever muito mais rapidamente quando acontecerá um problema a nível estrutural e transmitem essa informação para o computador. Neste momento temos as barragens todas instrumentadas e, ao mínimo sinal de risco, temos tempo para actuar. Começamos a ter sensores que alteram as construções em função da situação. Um problema nas pontes suspensas é o vento e, então, resolvemos estudar uma ponte sujeita ao vento e colocámos "flaps" – como de um avião – para ajudar a estabilizá-la. É uma tecnologia que se chama "controlo activo". Isso é a electrónica a entrar por dentro das construções. De que forma poderá impulsionar-se mais a investigação e a inovação tecnológica nestas áreas?

O que é fundamental é continuar a haver financiamento para os projectos de investigação. Convém também que a inovação seja feita associada às empresas, para que os produtos desenvolvidos tenham uma ligação directa para o mercado.

in Construir

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