A actividade da TPF Planege em Moçambique

EngNandindeCarvalho

A queda do preço das “commodities”, com particular destaque para o petróleo, tem tido um efeito negativo em várias economias e o mercado moçambicano, que concentra um número significativo de empresas portuguesas de engenharia, não é excepção. Inicialmente visto como um país a apostar por parte do tecido empresarial português, Moçambique apresenta actualmente um ritmo de desenvolvimento relativamente lento, o que tem vindo a afectar a actividade de vários grupos portugueses e internacionais presentes neste mercado. Segundo Jorge Nandin de Carvalho, este país “teve muito boas expectativas de desenvolvimento, quando foram reactivadas as minas de carvão – com Moatize à cabeça – e descobertas as bolsas de gás”. Contudo, estes investimentos “demoram a ser feitos”. “O que pensávamos que, em três ou quatro anos, estaria a funcionar, a render divisas através de, por exemplo, impostos, demora agora 10 anos a reproduzir a sua rentabilidade e a entrar em normalidade”, explicou, ao Construir, o presidente da TPF Planege.

“Commodities” afectam actividade

Para o líder desta empresa de engenharia que entrou há cerca de quatro anos no país, a crise nas “commodities” é a grande responsável pela situação que o mercado moçambicano vive actualmente. “Quando o carvão, por volta de 2011/2012 andava por volta dos 120 dólares e vale, seguramente, metade agora, começam a haver retrocessos e as expectativas reduzem-se. É isso que se passa em Moçambique”, explica, sublinhando que “as oportunidades não surgem frequentemente e existe concorrência”. Na base disto, estará, pelo menos em parte, a descida do preço do petróleo que levou também à queda de outras matérias-primas e, em conjugação com a instabilidade política recentemente vivida neste país lusófono “fez os investidores recuarem”. Por outro lado, num país com um PIB que é cerca de 10% do PIB português e com uma concorrência ao nível dos outros mercados, as empresas acabam por não facturar muito.

Todavia, mesmo perante estas difíceis condições de mercado, a engenharia portuguesa continua a ter uma actividade assinalável no país, uma vez que os grandes grupos multinacionais permanecem em operação. “No gás, as empresas americanas e italianas estão a fazer o seu trabalho, mas isso leva o seu tempo”, destacou o presidente da TPF Planege. Como principais empregadores de engenharia nesta região, destacaram-se, ao longo dos últimos anos, três grandes grupos internacionais – a Vale, do Brasil, a Rio Tinto, australiana, e a indiana Jindal Steel. A Rio Tinto já deixou o país, vendendo a sua operação à empresa estatal indiana Indian Coal Ventures. Por sua vez, a Vale, que já havia investido nas áreas fabril e ferroviária, reduziu bastante o seu investimento. “Esse investimento da Vale, na área fabril e na área ferroviária e, principalmente, os investimentos que ainda se vão realizar na área portuária, irão, com certeza, motivar algum trabalho para as empresas, quer de consultoria, quer de construção”, salienta Jorge Nandin de Carvalho.

Financiamento

“Temos tido maior intervenção na área de infra-estruturas”, afirma o máximo responsável da TPF Planege, explicando que o primeiro trabalho que a empresa teve em Moçambique “decorreu a partir de financiamento português, em 2011”. Para Nandin de Carvalho, o financiamento português para o desenvolvimento do país “é algo que se devia pensar em fazer mais vezes” e cita o exemplo da primeira obra em que a empresa do grupo TPF participou em terras de Moçambique. “Foi na estrada nacional entre Chimoio e Espungabera, o empreiteiro era a Mota-Engil, o projecto era sul-africano e nós ficámos responsáveis pela fiscalização”, refere, destacando que, nesta obra, 85% do financiamento foi feito por Portugal, “e grande parte desse financiamento retornou através do trabalho que os empreiteiros fizeram”. Neste âmbito, a maioria dos projectos realizados em Moçambique, conta com financiamento, ou de outros estados ou de instituições como o Banco Mundial. “Até há pouco tempo, o Orçamento de Estado moçambicano era financiado a 50% por doadores internacionais”, ressalva Jorge Nandin de Carvalho, exemplificando com os casos de trabalhos como a drenagem da Beira ou do Maputo, tornados possíveis pelo financiamento do Banco Mundial. “Mesmo o Plano do Vale do Zambeze [um estudo de grandes dimensões que a TPF Planege está a realizar em consórcio] surge de financiamento holandês”, salienta António Sobral Rodrigues. De acordo com este consultor da TPF Planege, são vários os países que financiam o desenvolvimento moçambicano, como os Países Baixos ou a Suécia, para além de Portugal.

Vale do Zambeze

Ao Construir, Jorge Nandin de Carvalho revelou que a TPF Planege está a desenvolver, em consórcio, o planeamento do Vale do Zambeze, “cuja área é duas vezes o tamanho de Portugal”. “É um trabalho interessante, porque é um planeamento global que vai possibilitar, no final, ter um sistema de informação”, destaca. Por sua vez, António Sobral Rodrigues explica que este trabalho visa conceber “um cenário de desenvolvimento a 30 anos, onde se definem as linhas orientadoras gerais do desenvolvimento do território em todos os sectores, com uma grande protecção ambiental”. Para executar este trabalho, a TPF Planege formou um consórcio com a Biodesign, a Universidade de Amesterdão, responsável pela componente ambiental, com a Universidade Nova de Lisboa, que actua no campo dos sistemas de tecnologia de informação, e as empresas brasileiras do grupo TPF, Sinergia e Projetec. De acordo com Sobral Rodrigues, para este projecto de financiamento holandês, concorreram vários grupos “e todos eram convidados a trabalhar com uma entidade holandesa”. “Nós escolhemos a Universidade de Amesterdão, que colaborou na área ambiental, de capacitação, de apresentação do projecto para envolver as comunidades”, declarou o consultor da TPF Planege, salientando que , por sua vez, “toda a parte informática e de sistemas de informação geográfica é feita em Portugal pelo Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação (ISEGI) da Universidade Nova de Lisboa. “Concentramos toda a informação num site, acessível às várias entidades, e a apresentação das várias fases do trabalho faz-se nesse site”, explica o responsável da empresa lusa, referindo que este estudo “envolve uma série de entidades moçambicanas, das áreas de agricultura, floresta, mineração, pescas, indústria, turismo, transportes”, entre outros sectores. Para este estudo e planeamento da região do Vale do Zambeze, uma área de 150 mil quilómetros quadrados, o consórcio teve de “compilar todos os planos sectoriais, harmonizá-los e, depois, fazer cenários de desenvolvimento”. Segundo Sobral Rodrigues, foram criados três cenários de desenvolvimento que são agora objecto de uma avaliação ambiental estratégica – “ver quais são as zonas a preservar, zonas de biodiversidade muito importantes onde não se vai tocar, zonas de riqueza em termos de fauna e flora para desenvolver e criar áreas protegidas”, explicou o engenheiro, referindo que “tudo isso está a ser agora analisado para depois definir um quadro futuro de desenvolvimento e para nos ajudar a tomar decisões sobre os vários projectos que vão surgindo em todo o Vale do Zambeze”. Basicamente, este estudo consiste no planeamento “do desenvolvimento normal do território, em termos agrícolas, florestais e industriais”, onde serão definidas zonas de reserva florestal, zonas de protecção ambiental, zonas destinadas à agricultura e zonas destinadas à pesca. Segundo Nandin de Carvalho, a Agência para o Desenvolvimento do Vale do Zambeze terá, uma vez desenvolvido o trabalho, “de sectorizar”. “Tem aqui um plano global, a uma escala muito macro, que refere as áreas a proteger e onde se pode intervir, define os parques naturais, onde são as estradas, os aeroportos e, depois, provavelmente, para cada município, isto será detalhado”, explica. Segundo Sobral Rodrigues, este plano “culminará num documento, que é o Plano Especial de Ordenamento do Território, que terá um regulamento e terá força legal e condicionará todos os investimentos”. No fundo, e em termos simplificados, “é uma espécie de PDM global”. Sobre as empresas brasileiras do grupo que integram este consórcio, Jorge Nandin de Carvalho explica que a Projetec actua na parte hidráulica e no planeamento urbano. A principal curiosidade recai na Sinergia, “que é completamente diferente das empresas de engenharia”. “É uma empresa “socio-ambiental” – passe o termo – muito especializada em análises das alterações sociais, por mexemplo ao nível do reassentamento”, afirma, explicando que, “quando um investimento obriga a realojar pessoas, é a Sinergia que estuda os planos de realojamento”. “Não se trata só de alojar, mas também de tratar do território, da vida das pessoas, da explicação às populações sobre o que será alterado e tentar repôr praticamente as condições que as mesmas tinham inicialmente”, continua o engenheiro, destacando que estas situações acontecem com frequência no Brasil, “daí a empresa ser especializada”. “É uma empresa que tem mais sociólogos do que engenheiros e arquitectos”, conclui Nandin de Carvalho.

Drenagem da Beira

Para além do estudo do Vale do Zambeze, a TPF Planege esteve também envolvida, em consórcio com a FASE, na obra da drenagem da Beira. “É uma obra interessante, financiada pelo Banco Mundial”, afirma Nandin de Carvalho, referindo que “a Beira é uma cidade muito plana, com zonas inundáveis e, com as alterações climáticas, tivemos de considerar, nos estudos, um aumento do nível médio do mar de 13,5 centímetros a 25 anos e uma agravação da precipitação de 20%”. “Quanto a maré está alta, não há escoamento e, com o aumento do nível médio, as coisas ainda vão piorar e prevê-se o aumento do nível médio da precipitação em 20%”, salienta. António Sobral Rodrigues explica que, de momento, só será construída uma primeira fase do investimento. “A solução global foi estudada mas obriga a um investimento que, neste momento, não é comportável” e que perfaz 300 milhões de dólares. Agora, serão investidos 50 milhões de dólares desse bolo. Com este investimento, contudo, zona central da cidade permanece protegida face à ocorrência de cheias. "Criámos uma bacia de retenção, para quando a maré começa a subir e, com as comportas, há um espaço para receber a água e evitar a inundação. Quando a maré baixa, a comporta abre e deixa a água regressar" ao seu leito original, explica Nandin de Carvalho. A formação de consórcios é um acto frequente na actividade da TPF Planege, que formou já vários agrupamentos para se candidatar aos concursos de grande dimensão.

Actualmente o peso da actividade da TPF Planege em Moçambique ronda os 15% da sua facturação total. Com a instabilidade que se fez sentir no país antes das eleições, que ocorreram em 2014, notou-se "algum abrandamento nas decisões de avançar com alguns projectos". Contudo, independentemente dos ciclos de investimento, o mercado moçambicano está repleto de eventuais oportunidades. Segundo António Sobral Rodrigues, existem oportunidades "nas infra-estruturas, como estradas, ferrovias, barragens e portos". Por sua vez, Nandin de Carvalho complementa com a possibilidade de existirem oportunidades "nas áreas de edifícios, como hospitais, universidades ? que também são infra-estruturas ? mas exigem sempre a componente de arquitectura", enquanto que, nas restantes infra-estruturas, "a engenharia é independente". Em termos de investimento privado, Sobral Rodrigues destaca o turismo, e também "um grande projecto da Portucel" que está a ser lançado na área florestal. Em termos urbanos, "quem vai a Maputo vê sempre edifícios novos a serem construídos". "Na parte imobiliária, tem havido investimento", refere Nandin de Carvalho, indicando a África do Sul como um país que "investe muito em Moçambique". Ao mesmo tempo, os chineses estão também a construir edifícios e infra-estruturas no país. "Na zona norte de Maputo já estão a nascer umas torres que resultam de investimento chinês", refere António Sobral Rodrigues. Como concorrência na área de engenharia, os responsáveis da TPF Planege destacam as empresas "chinesas, sul-africanas, australianas e europeias", com os sul-africanos a estarem melhor implantados no mercado devido à proximidade geográfica. "Há boas empresas sul-africanas, com um regime de qualificação algo complexo, mas que seguem todas as regras do mercado. São boas e com dimensão", conclui Nandin de Carvalho.

Desafios e perspectivas

Relativamente aos principais desafios encontrados pela TPF Planege neste mercado, Nandin de Carvalho refere os problemas "com a relação que há entre expatriados e locais [as quotas de contratação de mão de obra local], que nos limitam um pouco". Contudo, "são regras e temos que cumpri-las tal como todos. Por outro lado, há sempre o problema de exportação de capitais, há trabalhos que recebemos em meticais e a variação cambial relativamente ao euro causa outros problemas", explica o presidente da empresa portuguesa. Por outro lado, os custos operacionais de ter uma empresa em actividade em Moçambique, na medida em que o custo de um escritório "é bastante mais caro" quando comparado com Portugal. Todavia, "são coisas que vamos melhorando à medida que vamos conhecendo melhor o mercado, algo que nunca se faz sem esforço". Segundo Jorge Nandin de Carvalho, "tem que haver uma certa aprendizagem. Não se conquista facilmente o mercado e tem de haver investimento". De acordo com o engenheiro, as dificuldades causadas pela eventual falta de qualificação da mão de obra local é ultrapassável. "O que é preciso, por vezes, é haver uma formação escolar mínima e, depois, são as próprias empresas a fornecer formação específica", declara, acrescentando que a TPF Planege já conta, nos seus quadros em Moçambique, com 10 profissionais locais "e temos já técnicos de várias áreas". Quando questionado sobre se Moçambique poderá também servir como base para operações nos outros mercados da região, a resposta de ambos os engenheiros é positiva. "Já fizemos propostas, ainda sem êxito, para o Malawi, para a Tanzânia e para o Lesoto ? onde estamos pré-qualificados para uma barragem", revela Nandin de Carvalho. Segundo o mesmo responsável, foram já tidas conversas com empresas sul-africanas "no sentido de, eventualmente, virem a aderir ao grupo". Resumindo, "andamos a trabalhar em toda aquela região". No que concerne às perspectivas de futuro neste mercado, o presidente da TPF Planege espera que, "em 2016, os valores de facturação voltem aos valores de 2014 e espero que este ano de interregno seja compensado nos outros três que vêm aí". "Espero também que, finalmente, o preço das "commodities" volte a subir", acrescenta, sublinhando que "África depende muito das matérias-primas e isto prejudica a economia africana".

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